Uma das grandes questões, senão a maior, que nos perpassam ao longo da vida é: "quem sou eu?". Nascemos e crescemos até determinado ponto buscando incessantemente ter uma única resposta para essa questão. O mais comum, na contemporaneidade, é respondermos essa questão com nossa carreira, profissão, status e diversas qualificações do mundo de fora.
Nesse caminho, podemos tornamo-nos arrogantes, criar fantasias de superioridade e ainda plasmá-la na pergunta a outrem: "você sabe com quem está falando?". Essa pergunta é interessante, pois ao passo que o "eu" quer ser reconhecido e superior, a sombra talvez esteja sendo sincera e sarcástica, isto é, ela está dizendo ao "eu" que ele não reconhece o seu tamanho. Por isso, que lá no fundo, quanto mais o "eu" desejar ser superior, mais ele vai sentir-se inferior. A sombra fala como se fosse: "você sabe com quem você está falando? Pois com o 'eu' que não é, talvez, sim, uma imagem falseada do 'eu'".
A imagem do "eu" legitimada somente pelo mundo exterior, isto é, o que achamos que somos tendo unicamente como base carreira, profissão, status, etc., é uma fantasia. É a fantasia da persona. Esta é, sem dúvidas, importante socialmente, mas não suficiente para quem almeja a busca da completude de ser quem se é.
Quando abraçamos sufocadamente nossa imagem de "eu" a fim de legitimar quem somos, acabamos por cometer o que os Gregos chamam de hybris – a desmedida, a arrogância, o comparar-se aos deuses. Seja num grau de superioridade ou de inferioridade, afinal existem deuses superiores e inferiores, acabamos por viver na desmedida. Por isso, autoestima não deve ser o que muitos pregam por aí, nem meramente um reflexo estético no espelho, mas a medida certa do "eu".
Evidentemente, encontramos a medida ao passo que cometemos desmedidas. Vivendo.
Parece, entretanto, existir uma síntese nesse processo, descobrimos que o "eu" é menos do que ele acreditava ser, mas por ser menos, o ser acaba sendo mais do que o "eu". Abandonamos a ideia unilateral do "eu sou" para encontramos o mistério do Ser, do Si mesmo. Inicia-se aí, a busca da completude, que é conduzida não pelo "eu" ou pela persona, mas pela alma. Deixemo-nos à alma a condução para o mundo interior, do bem e do mal, da criação e da destruição.
James Hillman nos afirma que devemos fazer alma, mas, talvez, seja ela que deve nos fazer. Estamos muito defensivos e defendidos com racionalismos. Os que buscam a iluminação tentam por diversos caminhos artificiais e egóicos, desejando encontrar os deuses antes mesmo de encontrar a sua sombra pessoal ou deixar-se levar pela alma.
Não perdemos a alma, pois ela nunca foi nossa. Nos perdemos da Alma. É dever nosso aquietar as buzinas e os tic-tacs das cidades automatizadas que nos transformam em autômatos para escutar a voz a alma chamando. Parar com processos abusivos de querer encontrá-la na surdez, pois acharemos daí, somente mais personas. E personas extremamente iluminadas é o que mais se oferta hoje em dia. Mas, vale lembrar que quanto mais luz, mais sombra.
Por isso, Carl Gustav Jung, fundador da psicologia analítica, nos afirma que não é buscando os deuses que encontraremos algo, é conhecendo e reconhecendo nossos equívocos, é mergulhando na sombra que a Alma nos conduziu. Daí, depois do mergulho, os deuses se apresentam. Quem busca somente os deuses comete hybris. O que podemos fazer na condição de humanos, é conhecer o humano, demasiadamente humano.
Leonardo Torres, analista junguiano.
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