Integrar a sombra é possível?
- Leonardo Torres
- 27 de set.
- 4 min de leitura
Não é segredo para ninguém: há um prazer peculiar, quase voyeurista, em observar a queda de figuras públicas. Um escândalo envolvendo um político, um deslize moral de uma celebridade, a vida secreta de um líder reverenciado — tudo isso captura nossa atenção de forma magnética. Nós criticamos, apontamos o dedo e, por um momento, nos sentimos moralmente superiores. Mas o que essa fascinação pela sombra alheia revela sobre nós?
Segundo a psicologia profunda, esse mecanismo tem um nome: projeção da sombra. A sombra é o nosso porão pessoal, o lugar onde guardamos os traços de personalidade, os impulsos e os desejos que consideramos inaceitáveis e incompatíveis com a imagem ideal que construímos de nós mesmos. E, em vez de encarar o que está nesse porão, achamos muito mais fácil e confortável apontar uma lanterna para o porão dos outros.

O Bode Expiatório de cada dia
Onde há luz, haverá sombra; uma não existe sem a outra. Essa é uma verdade física e fundamental da existência. No entanto, em nossa vida social, agimos como se pudéssemos ser apenas luz. Apresentamo-nos ao mundo com nossa melhor roupa, nossa melhor versão. Os aspectos menos nobres — a inveja, a mesquinhez, a raiva, a preguiça são cuidadosamente varridos para debaixo do tapete.
O problema é que, por mais que os escondamos, eles se tornam visíveis. E quando não os reconhecemos em nós, passamos a enxergá-los, com uma clareza impressionante, nos outros. Aquela característica que tanto nos irrita em um colega de trabalho, aquele comportamento que condenamos veementemente em um parente; muitas vezes, são ecos de nossa própria sombra não reconhecida. Transformamos o outro em um bode expiatório, depositando nele tudo aquilo que nos envergonha em nós mesmos. "É sempre isso?", você pode estar se perguntando para cairmos naquela celeuma neófita. A resposta é "nem sempre, mas quase sempre". Se incomoda, vale a dúvida. Uma certeza de que "jamais seria isso ou aquilo" é tão estável quando um prego martelado na areia.
Essa dinâmica alimenta a indústria da fofoca. Quanto mais uma pessoa está sob pressão para manter uma persona perfeita — como membros da realeza, líderes religiosos ou políticos —, mais interessante se torna descobrir suas falhas. Ao nos deleitarmos secretamente com a "vida licenciosa" alheia, desfrutamos da sombra por procuração, sem ter que arcar com as consequências e, ainda por cima, saímos com a sensação de sermos moralmente íntegros.
Integrar ou Aceitar?
Diante disso, a psicologia junguiana propõe um caminho de conscientização. Por muito tempo, falou-se em "integrar a sombra". A ideia, embora atraente, soa um tanto idealista. Ela sugere que poderíamos absorver completamente nossos aspectos sombrios a ponto de eles deixarem de existir como um problema.
Uma abordagem mais realista e prática, proposta por autores contemporâneos, é a da aceitação da sombra. Isso não significa, de forma alguma, obter uma licença para viver nossos impulsos mais destrutivos. A consciência de sua própria sombra malandra não lhe dá o direito de colocá-la em prática. Aceitar a sombra é, antes de tudo, reconhecer sua existência, saber que ela pode se manifestar e assumir a responsabilidade por isso.
É um exercício de honestidade brutal. Quando somos pegos agindo a partir de nossa sombra, a reação instintiva é a vergonha, seguida de perto pela raiva e pela projeção: "mas você também fez aquilo!". A aceitação, por outro lado, nos permite dizer, ainda que para nós mesmos: "Sim, isso também está em mim". Ou seja, não está no "eu", mas provavelmente está na sombra.
Da sombra pessoal à sombra coletiva
Essa dinâmica não se limita ao indivíduo. Existe também uma sombra coletiva, arquetípica, que pode ser comparada a um "princípio do mal". É a destrutividade como uma possibilidade inerente ao comportamento humano, manifestada em guerras, genocídios e na opressão sistêmica. Todos nós temos parte nisso, pois, como escreveu Jung, "um crime nunca pode ocorrer por si mesmo [...] ele sempre ocorre no âmbito maior".
Uma das causas fundamentais para o mal no mundo é, segundo Jung, a inconsciência do ser humano. Quando não lidamos com nossa escuridão individual, contribuímos para a escuridão coletiva. Projetamos coletivamente o mal em um inimigo, em "outros", o que apenas intensifica os ciclos de medo e agressão e nos coloca em um papel de vítima impotente.
O trabalho de conscientização da sombra, portanto, supera o benefício pessoal. A reconciliação com os nossos aspectos mais feios é também uma reconciliação com a própria humanidade, uma aceitação da essência do ser humano em sua totalidade, incluindo seus lados mais perturbadores.
Deixar de ser maravilhoso para ser real
O caminho para a aceitação da sombra é árduo. Ele nos obriga a desidealizar não apenas os outros, mas principalmente a nós mesmos. Descobrir os lados sombrios de uma pessoa que admiramos a torna menos ideal, porém mais humana, mais real. O mesmo acontece conosco.
A aceitação da sombra nos torna mais autênticos e autoconfiantes, mas também mais comuns. Deixamos de ser aquela pessoa extraordinária e maravilhosa que gostaríamos de ser e nos transformamos em alguém com uma sombra que incomoda e causa problemas — como acontece com todos os outros.
E talvez aí resida a maior libertação: abandonar a fantasia da perfeição e abraçar a realidade de nossa natureza complexa. Afinal, como disse Jung, a ética não está em nunca fazer o mal, mas em como nos comportamos diante do fato de que nunca poderemos escapar completamente dele. Trata-se de, na prática, raramente ter que escolher entre o bem e o mal absolutos, mas quase sempre entre o melhor e o pior possível.
Sugestão de leitura: Verena Kast. A sombra em nós: a força vital subversiva. Petrópolis: Vozes, 2022.