Quantas vezes não nos pegamos lá longe no passado relembrando acontecimentos alegres, tristes, traumáticos? Acabamos por passar o fato várias e várias vezes em nossa mente. "E se eu tivesse feito diferente?"; "eu deveria ter feito melhor?"; "se eu soubesse onde isso iria dar...". Ou então, engasgados com nossas agendas do trabalho e com o cotidiano, vamos ao futuro, tentando prever cada ação, cada passo, cada respiração. Surge os "tem que": "tenho que fazer isso ou aquilo". Viver tanto de um quanto do outro (e, ás vezes, transitando entre os dois), nos arranca do presente.
O presente é difícil. Ele é um gerúndio inexplicável. É o momento entre o milésimo de segundo passado e o milésimo de segundo futuro. Por isso é tão difícil de estar nele. É a corda bamba circense. Mas encontramos ele ao cortar tomates, por exemplo. Se você não ficar no presente nesse momento corre o risco de cortar o dedo. E quem já não cortou o dedo?
Para algumas filosofias e para a psicologia, tanto passado quanto futuro são imagens psíquicas. Vem como narrativa. E muitas vezes são úteis quando não engessadas em uma única narrativa. Por isso, na clínica, quando o cliente conta sua história, muitas vezes peço para ele contar a sua história fora do personagem do "eu". "E se a sua cadeira, o seu computador, o seu celular, ou sua cama contasse a sua história?", pergunta o analista. E outras narrativas aparecem, escondidas até então.
Por serem imagens psíquicas, podemos brincar. Podemos imaginar, então, que passado, presente e futuro são salas de um prédio. A sala do presente é quase imperceptível, inicialmente. Podemos até dar à ela outro nome: a sala da consciência. Nela, o "eu" possui a consciência de estar consciente. Seria o autor presunçoso ao pontuar a dimensão da sala do passado ou a do futuro. Talvez não exista. E por isso mesmo, é mais fácil de nos perder por lá.
É na sala da consciência que existe uma única luz. Essa luz acaba iluminando as outras salas, que não possuem portas entre si (algumas pessoas colocam portas, mas não vem ao caso). Mas como sabemos, ao adentrarmos mais e mais, o breu toma conta.
É neste breu, muitas vezes viciante, que os deuses, os fantasmas, os demônios e outros personagens (os complexos) aparecem e nos pegam de supetão e nos contagiam com diversas enfermidades. E esgotados, torna-se mais difícil pegar na mão de um deles para levá-lo até a sala da consciência.
Mais fácil seria se ambos fizessem um movimento duplo. O "eu" caminha até onde pode se enxergar vultos e convida o aquele outro desagradável para ficar um pouco mais à luz, tomando um chá. Ah, como seria mais harmonioso se "eu" conseguisse transitar entre as salas sem se perder por completo!
Popularmente, muitos dizem que esse breu do passado chama-se depressão; e o breu do futuro chama-se ansiedade. Mas, devemos considerar muito mais do que isso, afinal não sabemos o que vem de lá do escuro. E se o autor começasse a elencar aqui, estaria novamente sendo presunçoso. O fato é que sabemos quando nos perdemos nestes breus temporais.
Outra coisa importante a se registrar é o fato de que o "eu", quando perde-se no breu, não está mais sob a luz da consciência. Qualquer ser, portanto, pode dominar o comportamento do indivíduo. A sala da consciência fica vulnerável sem o "eu". E quando o "eu" voltar para a sala (se voltar), a luz da sala estará crepitante, os móveis e as gavetas remexidos. E somente o "eu" pode reorganizar tudo de novo e de novo (porque isso é inevitável).
Na vida de fora, conseguimos identificar momentos como este. Ao pensar em uma prova que está por vir; ou no compromisso importante marcado; ou naquele dia que fiz mal a alguém ou que me fizeram mal. Todos esses momentos deixam caminhos livres para os demônios entrarem e fazerem o indivíduo agir de formas mais e mais diversas e pervertidas. Desde à paralisação e o esquecimento do conteúdo estudado da prova até a reações diversas de fúria ao se defrontar com momentos semelhantes ao do passado.
Não é possível executar uma simples tarefa diária como cortar tomates se o "eu" estiver perdido na sala do passado ou do futuro.
Por isso, é importante ter ciência do pathos – paciência – para que o andante das outras salas apareça para o chá da tarde. Quem sabe ele não dirá seu nome e vocês não possam se tornar, minimamente, amigos. Assim, teremos mais tomates e menos dedos cortados.
Leonardo Torres, analista junguiano.
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