O que o simbolismo da Páscoa pode nos ensinar à luz de C. G. Jung?
- Leonardo Torres
- há 5 dias
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Embora as fontes fornecidas não discutam explicitamente o simbolismo psicológico da Páscoa sob a ótica de C. G. Jung, podemos inferir alguns aspetos importantes com base nos conceitos centrais da sua psicologia, particularmente no que diz respeito ao simbolismo religioso, ao arquétipo do si-mesmo e ao processo de individuação.

Jung via os símbolos religiosos como expressões de conteúdos arquetípicos do inconsciente coletivo. Estes arquétipos são padrões universais e inatos de pensamento e comportamento que moldam a nossa experiência e a nossa compreensão do mundo.
A figura de Cristo, central na narrativa da Páscoa, é frequentemente analisada por Jung como um importante símbolo do arquétipo do si-mesmo.
Em Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-Mesmo, Jung explora profundamente o simbolismo de Cristo, comparando-o com manifestações do si-mesmo em outras tradições, como a gnose e a alquimia. Ele argumenta que Cristo, enquanto figura simbólica, representa a totalidade psíquica, a integração de diversos aspetos da personalidade. A crucificação, morte e ressurreição de Cristo podem, portanto, ser interpretadas psicologicamente como um processo de transformação profunda, análogo ao processo de individuação.
A morte na cruz simboliza a "morte" do ego ou de uma identificação limitada de si mesmo. No processo de individuação, é necessário confrontar aspetos da psique que em busca da totalidade. Esta "morte" psicológica pode ser dolorosa e exigir sacrifícios, tal como o sacrifício de Cristo na narrativa bíblica, de padrões dominantes afixados pelo ego.
A ressurreição, por sua vez, representa o renascimento para uma nova forma de ser, mais completa e integrada. Psicologicamente, isso corresponde à emergência do si-mesmo, a realização da totalidade psíquica que inclui tanto a consciência quanto o inconsciente. A ressurreição de Cristo pode ser vista como um símbolo da capacidade da psique de superar a "morte" e alcançar um novo nível de funcionamento e compreensão.
Além disso, a Páscoa celebra a vitória sobre a morte, um tema universalmente presente nos mitos e nas religiões. Do ponto de vista junguiano, este tema pode refletir a luta psíquica para integrar a sombra, os aspetos obscuros e não reconhecidos da personalidade. A ressurreição simboliza a transcendência desta dualidade e a conquista de uma maior totalidade.
A simbologia do peixe, mencionada em Aion, também pode ser relevante. O peixe foi um símbolo primitivo de Cristo e, na alquimia, está ligado à lapis philosophorum (pedra filosofal), ao salvador e ao deus terrenus, que psicologicamente correspondem ao si-mesmo. A repressão do duplo aspeto do bem e do mal, exemplificada na dificuldade da tradição cristã em integrar a "potência maligna" no si-mesmo empírico, levou a um dualismo que a psicologia tenta superar. A ressurreição pode ser vista como um passo em direção a essa superação, embora Jung critique a exclusão da sombra na figura tradicional de Cristo.
O conceito de enantiodromia, a transformação em contrário, também pode ser pertinente. A extrema humilhação e morte de Cristo precedem a sua exaltação e ressurreição. Este movimento dialético é comum nos processos psíquicos, onde um extremo tende a gerar o seu oposto. A Páscoa, portanto, pode simbolizar um ponto de viragem crucial na psique, onde a dor e o sofrimento se transformam em renovação e esperança.
Em suma, embora Jung não tenha dedicado uma obra específica ao simbolismo psicológico da Páscoa, a sua análise da figura de Cristo como símbolo do si-mesmo e os seus conceitos de individuação, morte e renascimento, e integração da sombra fornecem um quadro rico para a sua interpretação psicológica. A Páscoa pode ser vista como um símbolo arquetípico da transformação psíquica, da superação das limitações do ego e da realização da totalidade do si-mesmo através de um processo de "morte" e "ressurreição" interior. Este processo reflete a eterna capacidade da psique humana de se renovar e de alcançar um estado de maior integração e sentido.
Sugestão de leitura
Aion: Estudos sobre o simbolismo do si-mesmo;
O símbolo da transformação na missa;
Resposta a Jó.
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