A próxima onda epidemiológica será marcada pelos traumas psicológicos provenientes da pandemia do coronavírus, da queda da economia, do distanciamento social, entre outros. A humanidade precisa se tornar mais resiliente ao enfrentar tais crises, mas ela nunca irá ter sucesso se seguir discursos motivacionais rasos.
Vale ressaltar que a resiliência mencionada não é aquela que muitos profissionais e autores tem usado, baseados na meritocracia e em uma errônea visão motivacional de mundo. A palavra resiliência, para eles, foi retirada da Física (Ciências Duras): "a capacidade de um material retornar ao seu estado original depois de ser afetado".
Isso não funciona porque para o ser humano a resiliência acontece a partir do trauma, da crise e da cisão de um acontecimento. Quando o indivíduo é resiliente e passa por um trauma, ele nunca mais volta ao seu estado original bio/socio/psicológico.
Existem inúmeros casos de indivíduos que sofreram um acidente de carro e ficaram com sequelas. Naquele discurso motivacional raso, que há a promessa do indivíduo ser quem ele era originalmente, seria como prometer para o traumatizado que, se ele negar as sequelas, elas sumirão.
Já, na real resiliência humana, o acidentado terá que aprender, aceitar e integrar toda a dor, a raiva, o sentimento de injustiça, entre outros, para recriar a sua vida e continuar a viver. Por vezes, encontrar até um sentido de vida que antes lhe faltava. Portanto, a resiliência para o ser humano é a capacidade de se resconstruir a partir da crise, assim como Boris Cirulnik afirma e exemplifica em seus livros.
O fato é que a humanidade vive hoje um momento de crise. A palavra crise pode ser comparada a crisálida da borboleta e até a Cristo, todos com o mesmo radical, significando uma cisão, a dor de uma passagem. Quem afirmar piamente que sua vida e sua mente não foram afetadas pela pandemia, mesmo que minimamente, ou está mentindo ou possui uma profunda desconexão consigo mesmo e com o mundo.
Recentemente, li a frase "Diga não a Depressão e a Ansiedade. Seja Resiliente". Negar as próprias emoções e sentimentos nunca é a solução. Discursos motivacionais como este não podem ajudar em momentos como este. Voltar-se para alma, para as emoções e sentimentos, sejam eles agradáveis ou não, é a forma de se reconstruir diante da pandemia e suas consequências.
Autor: Leonardo Torres, 30 anos, analista junguiano, palestrante e doutor em comunicação e cultura.
Sugestão de livros:
Resiliência, de Boris Cirulnik;
Os patinhos feios, de Boris Cirulnik;
Falar de amor à beira do abismo, de Boris Cirulnik;
Nutrir os afetos, de Boris Cirulnik.
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