De repente, em meio ao isolamento social o tédio aparece, tentamos passar de série em série na Netflix e nada daquilo está interessando. As empresas de streaming estão constantemente colocando conteúdos novos para o público, mas nenhum tem chamado atenção. Um novo filme pode ser uma opção interessante, todavia não conseguimos acompanhar a história atentos. Quem já se pegou nesse momento deve perceber que existe em si uma demanda que não é de uma série, filme ou novela recente, na verdade, não é uma demanda de fora. E agora? O que fazer?
Este certamente é momento em que Drummond e o seu "E Agora, José?" sintetiza brilhantemente. Este vazio estabelecido pelo tédio para muitos é assustador, inquietante, ansioso, paranóico, etc., mas também não deixa de ser um convite para olhar para dentro de si e para trás. O tédio é nada mais do que a alma pedindo para ser revisitada; é a vontade de aflorar das imagens dentro; e isso nenhuma imagem de fora (seja filme, novela, rede social, etc.) vai conseguir suprir.
Os filmes e seriados, por vezes, ainda podem ajudar as imagens de dentro: voltar atrás e rever as produções que marcaram as nossas vidas é sem dúvidas uma forma de trazer mais imagens de dentro para consciência. Relembrar a primeira vez que tal filme foi assistido; rememorar quem nós éramos e como estamos hoje; o que chamou atenção na primeira vez e o que chama agora; quais emoções e sentimentos emergiram; o que entendemos agora que antes não foi possível; etc. Quanto mais se visita as imagens de fora que nos afetam de alguma forma mais podemos deixar aflorar imagens dentro (simbolizar). Neste caso, estamos reatualizando (ritualizando) as imagens de dentro por meio das de fora.
O tédio e a necessidade são pais da criatividade. Se quisermos fugir das telas eletrônicas (o que é muito aconselhável também), a expressão artística é a maior aliada. Vale lembrar que não é fazer arte. Não importa se você toca um instrumento bem, ou dança primorosamente, ou desenha precisamente, ou até cozinha profissionalmente, o que importa é a expressão. Carl Gustav Jung, Nise da Silveira e James Hillman sempre pontuaram esta questão, é necessário deixar a alma falar, ou melhor, como diria Hillman: fazer alma.
Também é válido não fazer nada. O tédio é um convite para esse nada. Esse nada pode se transformar em um diálogo com a alma. Parar e deixar as imagens de dentro emergirem também é possível. É o que C. G. Jung aponta sobre a Imaginação Ativa. Não podemos esquecer que existe um universo arquetípico em cada um de nós, e ver as “imagos” que dele provém é uma excelente forma de nos reconhecer enquanto seres individuais e coletivos, ampliando assim a consciência.
Autor: Leonardo Torres, 30 anos, analista junguiano, palestrante e doutor em comunicação e cultura.
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