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Foto do escritorLeonardo Torres

A Arte, o Contágio e C. G. Jung, fundador da psicologia analítica

Atualizado: 14 de abr. de 2022

A Horst Scharschuch

Heidelberg


Prezado Senhor,


É fora de dúvida que o inconsciente chega à superfície na arte moderna e destrói com sua dinâmica a organização própria da consciência. Este processo é um fenômeno que pode ser observado de forma mais ou menos pronunciada em todos os tempos: assim, por exemplo, sob condições primitivas, quando a vida habitual, regulada por leis rígidas, é de repente quebrada por situações aterradoras, ligadas a uma desordenada ausência de leis nos eclipses do Sol ou da Lua, ou na forma da licenciosidade cúltica como, por exemplo, nas orgias dionisíacas, prescritas pelo culto; e entre nós na Idade Média, nos mosteiros, com a inversão da ordem hierárquica e ainda hoje no carnaval. Esta quebra episódica ou costumeira da ordem deve ser vista como medidas psico-higiênicas que desafogam de tempos em tempos as forças caóticas reprimidas.


Nos dias de hoje isto acontece obviamente na mais ampla escala, porque os ordenamentos culturais reprimiram por tempo demais e com muita violência os desordenamentos primitivos. Se pudermos entender a arte prospectivamente, como eu acredito que se possa, então ela anuncia claramente o surgimento de forças dissolventes da desordem. Ela desafoga e elimina ao mesmo tempo a compulsão da ordem. Eu estou propenso a entender que aquilo que vai surgir será o contrário de arte, pois falta-lhe ordem e forma. O caos que vem à superfície pede novas ideias simbólicas de conjunto que abarcam e expressam não só os ordenamentos existentes até agora, mas também os conteúdos essenciais do desordenado. Estas ideias teriam um efeito mágico por assim dizer, pois pretendem esconjurar as forças destrutivas da desordem, como foi o caso, por exemplo, no cristinanismo e em todas as religiões em geral. Segundo antiga tradição, esta magia é denominada magia branca; ao passo que a magia negra exalta os impulsos destrutivos como única verdade válida em oposição à ordem até agora existente e, além disso, compele-os a servir ao indivíduo em oposição à coletividade. Os meios empregados para isso são primitivos, soar de tambores e coisas assim. Na medida em que a arte moderna usa esses meios como fins em si mesmos e com isso aumenta o estado de desordem, pode ser denominada diretamente como magia negra.


O demoníaco, ao contrário, baseia-se no fato de que há forças inconscientes de negação e destruição e de que o mal é real. Reconhece-se por exemplo que o demoníaco não só porque práticas de magia negra são possíveis, mas também porque possuem um efeito sinistro, e poderíamos supor até que o praticante da magia negra estivesse possuído por um demônio. A magia de Hitler, por exemplo, consistia em dizer oportunamente o que ninguém queria expressar abertamente, porque o considerava de qualidade duvidosa ou inferior (o ressentimento contra os judeus, por exemplo). O demoníaco de Hitler estava no fato de que seu método era de uma eficácia medonha e de que ele mesmo se tornou vítima clara do demônio, que tomou posse total dele.


O estudo dessas questões deveria começar naturalmente com o conhecimento completo das práticas primitivas de magia. Eu o aconselharia a ler o livro de Mircea Eliade, Le Chamanise, bem como Philosophia Oculta, de Agrippa von Nettesheim, e alguns escritos de Paracelso como, por exemplo, Liver Azoth. Principalmente em Paracelso encontrará muita coisa sobre a magia da simpatia. Encontrará ali também a mesma espécie de neologismos sugestivos que caracterizam a filosofia alemã atual: as palavras incompreensíveis, sinais e gestos, etc. Talvez possa aproveitar alguma coisa de meu pequeno ensaio Paracelsica (1940). Vale ainda lembrar a teoria de Alberto Magno, segundo a qual quem se entrega totalmente à sua emoção violenta e nesse estado deseja o mal pode provocar um efeito mágico. Isto é a quintessência da magia primitiva e dos fenômenos de massa correspondentes da época moderna como, por exemplo, o nacional-socialismo, o comunismo, etc. Foi com razão que Ernst Robert Curtius chamou certa vez a obra do clássico James Joyve, Ulysses, de "infernal". Receio que esta qualificação possa ser aplicada em larga escala a todas as artes modernas.


Com elevada consideração

C. G. Jung


Carta retirada do vol. 2, p.256.


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