Neste turbilhão de um ano, em que a tapeçaria dos dias foi tecida com os fios entrelaçados das catástrofes naturais, contágios psíquicos, marés de ódio coletivo e o estrondo distante e próximo das guerras, encontrei refúgio não em respostas simples, mas nas profundezas da alma. Aqueles que buscaram o “fazer alma”, perceberam que a alma é também um caminho para o nosso mestre.
Cada cataclismo exterior é um espelho de uma tormenta interior. Enquanto só percebermos o que está “fora”, colocaremos nossas sombras e o mal “fora”. E estaremos reféns da sombra e do mal “dentro”; convictos que o outro é o grande imbróglio e promotor do defeituoso.
Se quisermos a transformação, não teremos outra alternativa a não ser adentrar no abismo do nosso ser, onde as sombras se entrelaçam com a luz. Neste lugar misterioso, as pupilas dos nossos olhos dilatam-se, fazendo com que percebamos mais contornos. O nome disso é consciência. Consciência é ter a pupila dilatada, não é lançar mais luz do que a que já possuímos.
As catástrofes que estamos vivendo são também como sinfonias trágicas do próprio humano, isto é, expressões da nossa dor inconsciente que a alma canta das profundezas. A alma canta uma canção profunda, mas poucos estão dispostos a escutar. A alma está bem, nunca a alcançaremos. Nada faremos com ela.
Na real, ela canta para mostrar o que nós estamos fazendo conosco. Enquanto não a escutamos, temos o prazer de dilacerar o inimigo, fazendo justiça. No primeiro segundo que escutamos, o espanto nos domina: o rosto do meu próprio inimigo se transfigura, revelando o meu próprio rosto dilacerado por mim.
O Jesus Cristo de “dentro” de mim é menos “luminoso” como o de “fora”. Foi ele um dos homens que tentaram ensinar a escutar a alma. Amai o próximo como a ti mesmo; pois o próximo és tu.
E agora, no limiar deste ano, encontro-me inundado por um agradável sentimento de gratidão por aqueles que caminharam ao meu lado, aos meus interlocutores. Obrigado por compartilharem comigo tanto a sua luz quanto a sua sombra, sua sabedoria e suas dúvidas, seu ódio e seu amor. Obrigado por compartilharem comigo esta meia-luz, refletindo uma consciência semelhante à luz da lua.
Vocês foram mais do que meros companheiros de jornada; foram mestres, espelhos, faróis e abismos que transformaram profundamente o meu caminho de vida. Que continuemos assim, a tecer uma tapeçaria de compreensão de eros em meio ao caos.
Boas festas neste 2023.
Leonardo Torres, analista junguiano.
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